Abaixo descrevemos o contexto de uma organização fictícia que será usada para demonstrar a Cartografia Organizacional.

Identidade e propósito

A Mangia nasceu de uma inquietação pessoal de Lorenzo, um empreendedor descendente de italianos que se viu insatisfeito com a forma como a modernidade corroeu o hábito de cozinhar e comer em família. Guiada pelo slogan “Mangia che te fa bene!”, a organização tem como propósito promover uma alimentação saudável e descomplicada, reconectando as pessoas ao prazer da comida de verdade.

Desde a fundação, Lorenzo rejeitou a ideia de criar uma empresa tradicional, rígida e hierárquica. O negócio foi todo estruturado com financiamento próprio, o chamado bootstrapping, evitando a pressão de investidores externos que pudessem comprometer a visão de longo prazo. O sonho inicial era estabelecer uma gestão distribuída, com planos de evoluir para práticas de governança dinâmica, onde a adaptação e a autonomia fossem a regra, não a exceção.

O modelo de negócio

A operação da Mangia funciona como uma ponte direta entre o campo e a mesa do cliente. O ciclo começa com a compra de ingredientes sustentáveis diretamente de pequenos produtores locais. A partir daí, a equipe elabora receitas semanais, separa os ingredientes frescos nas porções exatas e entrega tudo na casa do assinante. Ao cliente, cabe a parte prazerosa: finalizar as refeições em cerca de trinta minutos, sem desperdício e sem o estresse do planejamento.

Para viabilizar o serviço, a empresa oferece duas modalidades principais de assinatura. O “plano família” atende quatro pessoas com quatro refeições semanais por cento e cinquenta reais. Já o “plano casal” oferece três refeições semanais para duas pessoas ao custo de sessenta reais. Toda a interação acontece pelo site, onde o cliente define preferências e o sistema, através de uma curadoria mista de algoritmo e toque humano, seleciona os pratos da semana. Para complementar a experiência e atrair novos públicos, a marca mantém um blog ativo com conteúdos educativos sobre gastronomia e dicas de cozinha.

Dinâmica operacional e o mutirão

A sede da Mangia é um reflexo de sua fase atual: um galpão híbrido que divide espaço entre mesas de escritório e uma área refrigerada de manipulação de alimentos. Com cerca de duzentos clientes ativos, a equipe ainda é enxuta, o que levou à criação de um ritual semanal que se tornou o coração pulsante — e tencionado — da empresa: o mutirão de quarta-feira.

Nas manhãs de quarta, todas as atividades “intelectuais” param. Do CEO ao estagiário de marketing, todos descem para a operação para pesar legumes, embalar temperos e montar as caixas que serão coletadas pela transportadora terceirizada. O que foi idealizado como um momento de união e “mão na massa”, no entanto, transformou-se em um gargalo de estresse e confusão, onde a hierarquia teórica desaparece diante da urgência dos prazos.

A transição e a busca por ajuda

A Mangia vive hoje o paradoxo de ser uma organização antigamente hierárquica tentando transicionar para a autogestão, mas sem saber exatamente como. A realidade do crescimento atropelou a filosofia inicial. Lorenzo, na tentativa de organizar o caos, tentou implementar a Holacracia seguindo manuais da internet, mas o resultado foi um excesso de codificação (Territorialização e Codificação) que travou os processos sem resolver os problemas humanos.

Diante do impasse, buscaram uma consultoria especializada. A escolha recaiu sobre a abordagem da Cartografia Organizacional justamente pela promessa de não impor um modelo idealizado, mas de trabalhar com a realidade imanente da empresa — mapeando o que a Mangia é hoje para destravar o que ela pode vir a ser. A cartógrafa buscará identificar os Atuantes, Enlaces e agenciamentos que compõem a organização.

Personagens principais

Lorenzo, o fundador centralizador: Aos 45 anos, Lorenzo é a alma passional do negócio. Embora cuide teoricamente da estratégia e da relação com produtores, na prática ele centraliza as decisões, movido pelo medo de que a qualidade caia se ele não estiver olhando. Ele vive o conflito interno de desejar uma empresa sem chefes, mas agir como um chefe autoritário nos momentos de pressão, gritando ordens sobre a quantidade de manjericão nas caixas durante os mutirões. Lorenzo atua como um dreno (Fontes e Drenos) ao centralizar decisões e bloquear a autonomia da equipe.

Helena, a liderança de operações Pragmática e direta, Helena, de 38 anos, é quem tenta traduzir os sonhos voláteis de Lorenzo em planilhas e logística viável. Ela gerencia estoques e a transportadora, sendo frequentemente a voz da razão que é atropelada. Sua maior dor é a ineficiência do Agenciamento mutirão; ela clama por processos claros e previsibilidade, sentindo-se exausta pelas mudanças constantes de direção vindas da fundação.

Breno, liderança de tecnologia e growth: Vindo de um ambiente de startups aceleradas, Breno, 29 anos, é o perfil analítico e focado em escala. Responsável pelo site e algoritmos, ele vê a cultura “familiar” da Mangia com ceticismo. Para Breno, o tempo gasto empacotando caixas na quarta-feira é um desperdício de intelecto que poderia ser usado para otimizar a aquisição de clientes. Ele prefere dados a intuições e vê a autogestão como uma distração romântica.

Dona Cida, a base operacional: Com 56 anos e vasta experiência em cozinhas escolares, Dona Cida é a autoridade moral do chão de fábrica. Ela conhece a qualidade dos ingredientes pelo tato e pelo cheiro. No dia a dia, sente-se confusa com as ordens contraditórias — Helena pede rapidez, Lorenzo pede perfeccionismo artesanal — e sofre com o desgaste físico do trabalho, ao mesmo tempo que atua como acolhedora emocional dos mais jovens.

Lucca, experiência do cliente e conteúdo: Jovem recém-formado em gastronomia, Lucca, de 24 anos, cuida do blog e do atendimento ao cliente (SAC). Ele é o “para-raios” dos problemas: quando o mutirão falha na quarta, é ele quem recebe as reclamações na quinta-feira. Idealista e criativo, Lucca sente que suas sugestões de receitas e melhorias são ignoradas pela liderança, apesar de ser ele quem está em contato direto com a insatisfação dos assinantes.