A análise genealógica é o movimento de investigar como um Agenciamento se tornou o que é, acompanhando as camadas de passado que continuam a se atualizar no presente.
Inspiramo-nos em Bergson, para quem o passado não é algo simplesmente encerrado “atrás” de nós, mas um virtual que permanece disponível para se atualizar de novas maneiras em cada situação. Em vez de tratar a história da organização como uma linha cronológica morta, A cartógrafa olha para os traços do passado que ainda fazem diferença agora: decisões antigas que continuam organizando o presente, promessas não cumpridas que seguem produzindo ressentimento, traumas institucionais que reaparecem em novos cenários.
O Atuante Memória
Na cartografia organizacional, tratamos o passado da organização como um ou mais Atuantes, geralmente do tipo Memória ou Costume. São narrativas, arquivos, símbolos e hábitos que seguem agindo sobre o corpo coletivo.
Alguns exemplos de como aparecem como atuantes:
- Regulamentos criados em uma crise antiga que continuam a limitar a ação mesmo depois do risco ter mudado;
- Histórias heroicas do período de fundação que seguem justificando sobrecarga e sacrifícios atuais;
- Cicatrizes de projetos fracassados que fazem o grupo evitar certas apostas, mesmo quando as condições objetivas já se transformaram.
Ao mapear um agenciamento, a cartógrafa investiga:
- Que passados continuam operando aqui?;
- Que decisões, traumas e vitórias antigas ainda organizam os Enlaces atuais?;
- Que memórias são contadas oficialmente e quais circulam apenas em conversas de corredor?
O Mapa Genealógico é a ferramenta adequada para este tipo de mapeamento.
Devir e vetores históricos
A análise genealógica permite compreender os vetores de transformação que atravessam o presente. Certos acontecimentos funcionam como bifurcações na história do agenciamento, abrindo ou fechando possibilidades futuras.
Por isso, é importante combinar a genealogia com a atenção aos vetores descrita em Dinâmica Vetorial:
- Identificar momentos em que a organização passou por mudanças bruscas de geologia (por exemplo, de planície aluvial para maciço cristalino);
- Perceber como certas configurações de Territorialização e Codificação foram justificadas em nome de episódios anteriores (escândalos, crises, fusões);
- Acompanhar como o mesmo tipo de problema reaparece em novos formatos, sugerindo que o passado ainda está em busca de outra atualização.
Por que mapear genealogicamente
Mapear genealogicamente não serve para encontrar culpados ou fixar identidades, mas para liberar a imaginação coletiva. Ao explicitar como chegamos até aqui, abrimos espaço para outras linhas de devir:
- Desfazer naturalizações (“sempre foi assim”) mostrando que o arranjo atual é resultado de escolhas e contingências;
- Reconhecer dívidas e promessas quebradas que precisam ser retrabalhadas para liberar potência;
- Criar novas alianças com o passado, resgatando experiências e experimentos esquecidos que podem ser retomados sob outras condições.
Uma cartografia potente alterna entre o mapa sincrônico do presente e a investigação genealógica dos caminhos que produziram esse presente. É nesse vaivém entre atual e virtual que emergem intervenções realmente transformadoras.